“Amamos Ricardo”
Mensagem apresentada durante o Retiro de Famílias Ano XXXIV, em Poxoréu, MT, pelo Prof. Izaias Resplandes de Sousa.
Meu filho foi submetido no início
deste ano a uma cirurgia para retirada de um angioma cavernoso localizado na
cabeça, no topo do tronco encefálico, abaixo do mesencéfalo. Foi uma cirurgia
muita melindrosa e de alto risco, além de ser bastante onerosa. A cirurgia foi
um sucesso.
Além de estar agradecendo a todos os
que se envolveram em nosso drama, nós estamos aqui para compartilhar um pouco
da experiência que vivemos naqueles dias. Conforme nosso entendimento,
estivemos no desempenho de uma missão
muito especial e na qual o meu filho foi um dos principais envolvidos.
A missão a que me refiro é a missão de amor. Eu
aprendi, ao longo de minha carreira espiritual, que cada um de nós tem uma
missão a cumprir nesse mundo, para Deus. Entendemos que Deus segue o princípio da utilidade, de forma que
nenhuma pessoa nasceu para ser inútil. Ninguém ganhou a vida para não fazer
nada.
Desse modo, cabe a cada um de nós
nos prepararmos para cumprir essa missão de amor, amando de verdade; não apenas de língua, mas de fato e de verdade.
É preciso descobrir de que forma poderemos amar. E após a descoberta, amarmos.
Sabe, queridos... É muito fácil dizer
que amamos, que compreendemos, que somos amigos, que pode contar conosco. A língua nem sempre está a serviço de
Deus. Muitos são os que honram a Deus de lábios, mas seus corações
estão longe dele, ainda que Ele tenha feito tanto para mudar esse estado de
coisas e mostrar-nos que sua obra é um envolvimento de amor e não apenas um
milhão de discursos e palavras escritas ou faladas.
Já faz um bom tempo que venho
sentindo a necessidade de fazer mais do que a minha obrigação. Principalmente,
porque, como todos sabem, sou uma pessoa que fala muito. E quem fala muito
também precisa agir muito.
Como fazer para tocar o coração das
pessoas e despertá-las para amar e para sentirem que os problemas dos outros
são também os seus problemas?
Meus queridos... Não basta
emocionar. Não basta enviar mensagens comoventes para dez ou mais grupos de
amigos nas redes sociais. Há um entendimento de que é muito importante orarmos
uns pelos outros. Isso é verdade. É muito importante orarmos. Mas amar não é
simplesmente orar. Se orarmos, mas não agirmos, a nossa oração não tem qualquer
valor.
Nós temos acompanhado a obra
missionária e vemos muitos dos nossos irmãos do campo padecendo dificuldades
para viver e atender às comunidades em que servem a Deus. Nós falamos disso,
mas parece que nossas palavras têm pouco efeito, porque as coisas mudam muito
pouco depois delas.
O fato de nossos missionários
passarem dificuldades para sobreviver parece que não nos incomoda muito. Deus
pede as primícias do nosso trabalho, mas quase sempre nós damos as sobras.
Nós também ouvimos falar de que as
pessoas estão passando fome pelo mundo afora. Mas isso também não nos incomoda
muito, principalmente se tivermos comida em nosso prato. O problema dos outros nos
incomoda muito pouco.
E além desses destaques, nós
poderíamos falar sobre as necessidades daqueles que não tem um teto para se
abrigar, que não tem uma cama para dormir; poderíamos falar das crianças e
velhos abandonados. Há tantas necessidades que poderíamos falar, mas de que
adianta a gente apenas ficar falando?
Tenho observado que o que mais
incomoda as pessoas e ainda faz com que reajam e tomem uma atitude é a
enfermidade. Nós somos mais sensíveis às enfermidades, principalmente quando
acontecem conosco e em nossa família. Enquanto o problema é só com os outros e
dos outros, a gente incomoda, mas ainda não se incomoda da mesma forma que
incomodamos quando o problema é conosco.
Então, avaliando essa situação, me
parece que nós estamos precisando de mais enfermidades entre nós e em nossas
próprias famílias. Principalmente, parece que estamos precisando de
enfermidades do tipo que não damos conta de resolver em nossas individualidades,
sozinhos.
A ideia de que cada um resolva os
seus próprios problemas nunca foi tão real como em nossos dias. A maioria das
pessoas nem quer falar sobre os seus problemas com os outros e prefere procurar
resolvê-los sozinhos. Não é essa a fórmula do amor para a resolução de
problemas sociais.
Somente para constar, é fato que a
minha família anda cheia de problemas de enfermidade que nós não conseguimos
resolver, às vezes por conta de questão financeira, às vezes por falta de
soluções humanas para o caso.
Tenho uma sobrinha com o Mal de
Crom, uma prima com um fígado que não funciona adequadamente e outra, que teve
um câncer que tem lhe consumido a vida nos últimos cinco anos e que, atualmente,
aparentemente curada, sofre os efeitos da radioterapia, que lhe fechou
parcialmente os esfíncteres, tendo que passar o resto dos seus dias carregando
uma bolsa de customização.
O problema de meu filho, diante
desses casos, não parece ser grande coisa. Ainda que nas duas cirurgias ele
corresse o risco de ficar paralisado ou em estado de coma, seu estado de saúde
pode ser resolvido rapidamente.
Certo dia, conversando com ele
sobre seu problema de saúde, ele me disse: Pai, ainda bem que isso aconteceu
comigo e não com o senhor, ou a mamãe, ou os meninos.
A verdade, queridos, é que ninguém
veio ao mundo para receber milhares de bênçãos. Amar é pensar nos interesses
dos outros e não nos seus próprios. Nós viemos ao mundo com a missão de amar
outras pessoas. Mas, apesar de Deus ter nos ensinado a amar, ou nós não temos
aprendido direito essa lição, ou temos nos esquecido rapidamente de como aplicá-la.
Eu amo o meu filho. Não sei se
teria coragem de dar a minha vida pela dele, mas quero crer que o amo, mesmo
com essa possibilidade em dúvida. Por outro lado, eu também amo os meus
familiares parentais e espirituais. No entanto, temos percebido que a cada dia
a gente vai ficando mais distante uns dos outros.
Nós nos preocupamos em trabalhar,
trabalhar, trabalhar. Ganhar dinheiro, melhorar nossa casa, comprar um carro,
fazer uma viagem... Mas não visitamos os familiares. Não temos tempo para eles.
Minha mãe recebe migalhas do meu
amor. Sou capaz de passar o mês inteiro sem ir vê-la, pelo fato de ficar
envolvido com o trabalho. Tenho parentes, primos em segundo grau, por exemplo,
que nem sei o nome. Morre um aqui, outro ali e eu não posso sequer ir ao
velório. Não tive tempo para eles em vida e nem mesmo no dia da morte, às vezes,
eu posso estar presente.
Tenho um tio que hoje está
sepultado em Barra do Garças. No dia em que meu filho foi internado para operar
do angioma cavernoso na cabeça, ele tinha sido operado de câncer e em pouco
tempo após, faleceu. Fui visitá-lo no hospital e não conseguimos nos lembrar
direito de quando havíamos nos encontrado pela última vez. Pensei que ainda
iria fazer-lhe uma visita. Agora sei que não farei mais.
O nosso distanciamento uns dos
outros parece tão grande, que nem mesmo a morte está conseguindo nos aproximar
uns dos outros.
Em relação à enfermidade de meu
filho, nós conseguimos ver que a cura dela não foi a coisa mais importante que aconteceu
conosco.
Ricardo foi um intenso missionário
do amor durante aqueles dias. Poucas pessoas conseguiram se fazer ouvidas e
alcançadas por suas mensagens de amor, mais do que ele conseguiu com essa
enfermidade.
Nós sempre acreditamos que éramos
uma família muito querida, tanto pelos irmãos, como pelos parentes e pelos
amigos e pessoas com quem convivemos. Depois dessas experiências vividas, nós
deixamos de crer. A fé é a certeza das coisas que se esperam e se não veem. Não
precisamos mais de fé para sabermos que somos amados. Nós fomos amados de fato
e de verdade, não na teoria, mas na prática.
Os irmãos oraram por nós. Uma irmã de
Campo Grande, MS, propôs um relógio de oração por meu filho. E pessoas de
muitos lugares e de muitas denominações diferentes oraram por ele. Mas o mais
importante foi que não apenas oraram.
As pessoas nos mandavam mensagens
para saber como poderiam nos ajudar de alguma forma. Um pastor neotestamentário,
de Cuiabá, MT, fez uma linda proposta para nos ajudar a pagar as contas do
hospital, dividindo a conta com todos os irmãos da igreja. Ficaria uma
quantidade bem pequena para cada um. E muitos irmãos e amigos aceitaram sua
proposta e nos ajudaram dessa forma.
E nós aceitamos. Decidimos que não
podíamos tirar dos irmãos, dos parentes, dos amigos e das pessoas de um modo
geral o seu DIREITO DE NOS AMAR. Orar é um ato teórico de amar. Doar é um ato
concreto de exercer o amor.
Dois familiares nos emprestaram cinquenta
por cento do valor a ser pago na cirurgia, sem nos cobrar juros e com tolerância
de prazo para pagarmos. Uma empresa na qual tenho prestado serviços, me
adiantou um sexto da dívida. Ficou faltando apenas um terço. E esse terço foi
suprido por meio de doações dos irmãos.
As pessoas que nos doaram não nos
perguntaram quanto ganhávamos por mês, ou se nós tínhamos como pagar a
cirurgia. Elas apenas queriam saber como poderiam doar. Elas queriam ajudar.
Queriam exercer o amor.
É certo que poderíamos vender
nossos bens para levantar o dinheiro, mas, na verdade, não precisamos vender
nada, porque até aqui Deus nos supriu em todas as nossas necessidades.
Nós sentimos que o amor por nós não
é uma questão de retórica. É fato. É possível que meu filho venha ter que ser
operado novamente de dez a quinze anos. Não desejamos que ele passe por esse
sofrimento, mas se for para ver as pessoas nos amando como nos amaram; se for
para que as pessoas possam demonstrar que conseguem amar, não teremos receio de
que conseguiremos passar por tudo isso de novo, sem maiores dificuldades.
Durante todos os dias que estivemos
fora de casa realizando o tratamento, nunca nos faltaram as visitas. As pessoas
tiraram tempo para nós. Posso dizer que foi a coisa mais linda do mundo. Foi
uma oportunidade para recebermos visitas de pessoas que não víamos há muito
tempo.
Os irmãos de nossa igreja em Rondonópolis, MT, foram os olhos
neotestamentários que velaram por nós. Ficaram alguns dias conosco. E como foi
bom sentir essa manifestação de amor.
Sabemos que palavras não bastariam
para expressar o nosso muito obrigado a todos. Assim, pedimos a Deus que um dia
possamos ter outras oportunidades de fazê-lo de outras formas.
Um abraço e que Deus vos guarde bem
no seu poder.
Amém!
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