quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

O Casamento Religioso

Izaias Resplandes

Desde que o cristianismo se tornou religião oficial no império romano, até 1804, quando foi publicado o Código Civil Napoleônico, não havia casamento civil em nenhum lugar do mundo, embora a Inglaterra já o admitisse. O casamento era somente religioso, não era assunto de Estado e sua disciplina normativa era apenas a religiosa. Era celebrado pelo sacerdote da Igreja à qual pertenciam os nubentes. Assim havia sido decidido pelo Concílio de Trento[1], conforme registra Aguirre: "el pacto, el consorcio, el acuerdo de varón y mujer libres y hábiles de unirse para toda la vida en relación conyugal, este pacto reglado por el derecho canónico, entre bautizados es necesariamente sacramento. De allí que exclusivamente la Iglesia tiene competencia sobre este tipo de matrimonio" (AGUIRRE, José Amado, op. cit., p. 41). Era assunto do Direito Canônico, exclusivamente.

No Brasil, o casamento civil surgiu a partir da ocorrência de alguns conflitos. Nesse sentido, seguindo orientações da ICAR – Igreja Católica Apostólica Romana –, foi instituído o registro do casamento civil apenas para os acatólicos. O casamento dos católicos continuava sendo registrado pela própria ICAR. A Lei 1.144, de 11 de setembro de 1861, disciplinada pelo Regulamento nº. 3.069 de 17 de abril de 1863 veio a tratar do assunto. Posteriormente, Constituição Federal do Brasil de 1891, decretando a separação entre a Igreja e o Estado, acabou com o casamento religioso. Em seu art. 72, § 4º., traz a declaração de direito que: "a República só reconhece o casamento civil, cuja celebração é gratuita".
A Constituição como lei que é e seguindo ao princípio de que a lei deve oficializar aquilo que a sociedade pensa a respeito de determinada matéria, entendeu que o casamento não poderia ser um direito exclusivo dos católicos. Todos tinham liberdade de se casar. Já que a ICAR não casava os protestantes, o Estado então decidiu, numa queda de braço com o catolicismo, que CASAMENTO mesmo seria somente o CIVIL. A partir daí todos os casamentos no Brasil passaram a ser civis, admitindo-se apenas, que as Igrejas, incluindo as protestantes, fizessem as celebrações religiosas, desde que somente para aqueles que já estivessem casados civilmente. Mas é de registrar que: “o casamento não foi inventado pelo legislador, preexiste ao direito positivo, antecede a cultura jurídica. Suas origens foram religiosas e sociais: “fueron los magos, hechiceros, brujos, sacerdotes, quienes oficiaban en nombre de la divinidad o divinidades. Por eso es congruente afirmar que el matrimonio siempre fue religioso, es decir, un hecho misterioso, un sacramento.” (AGUIRRE, José Amado. Matrimonio Civil y Matrimonio Canónico, p. 20.).
Ainda nesse assunto, um outro destaque deve ser feito no que se refere aos conflitos que surgiram entre a Igreja e o Estado por conta da oficialização do casamento civil. Quem se casava apenas no civil era visto pela Igreja como mantenedor de uma relação imoral e ilícita e aqueles que se casavam apenas na Igreja, perante o Estado, mantinham um concubinato.
As Constituições Federais de 1934 e de 1946 procuraram disciplinar esse conflito, instituindo o casamento religioso com efeitos civis. Na primeira, a habilitação deveria ser prévia e na segunda, poderia ser após.
Já Constituição Federal de 1988 (atual), ampliou as formas de constituição de família e facilitou o divórcio. À sua luz, considera-se família a união constituída pelo casamento civil, pelo casamento religioso com efeitos civis, pela união estável, e pela relação natural ou jurídica entre um genitor e sua prole.
Nesse sentido, tenho sido motivado a me referir ao casamento civil como um verdadeiro "crime" contra a liberdade religiosa assegurada pela Constituição, cuja origem se deu quando essa modalidade de casamento foi imposta aos protestantes, pela ICAR, quando esta era a igreja oficial do Brasil. Referido “crime” passou a ser apoiado pelo Estado quando este referendou a decisão religiosa. Mas, a partir do momento que o próprio Estado reconhece outras formas de constituir família além do casamento civil, como por exemplo, a união estável e o casamento religioso com efeitos civis, nós entendemos que ele já não atenta mais contra a liberdade. Hoje, quem está fazendo isso são os próprios evangélicos. A ICAR nunca reconheceu o direito do Estado de legislar sobre casamentos de católicos. Para ela, CASAMENTO é somente aquele feito com a bênção dos seus sacerdotes, de acordo com as decisões do Concílio de Trento. Eles se submetiam à lei apenas por causa do patrimônio, mas casamento mesmo era só o deles. Já os evangélicos, não! Casamento para esses, só o do Estado. A declaração do Juiz de Paz vale mais para os evangélicos, do que a bênção dos seus pastores que conhece e sempre acompanhou a vida dos jovens crentes. Isso para mim é um verdadeiro “crime” contra seus membros.
Em resumo: Um dia a ICAR impôs aos evangélicos o casamento civil. Veio o Estado de religião oficial e referendou a imposição, primeiro apenas para este, depois de forma geral. Todos ficaram obrigados a essa forma de constituição da família. Todavia, ocorreu a separação entre o Estado e a Igreja e aquele retirou seu referendo absoluto à imposição e reconheceu outras formas de constituição da família, inclusive a do casamento religioso. Mas os evangélicos ainda não romperam com a ICAR nesse sentido. Para eles, casamento mesmo é só o que a Igreja Católica lhes impôs naqueles tempos do Império. Isso para mim é um “crime” contra a liberdade religiosa dos evangélicos.
É claro que essa é a minha interpretação do assunto e isso quer dizer que respeito outras interpretações, inclusive a da minha igreja evangélica. Mas tenho certeza de que estamos perdendo a oportunidade de nos libertarmos das imposições católicas e de consolidarmos apenas o casamento religioso em nosso meio. Para mim, esse deve ser o verdadeiro CASAMENTO (do ponto de vista espiritual) e não o casamento civil. Já para efeitos civis e patrimoniais, não faz diferença que o Estado reconheça no CASAMENTO RELIGIOSO apenas uma UNIÃO ESTÁVEL haja vista que ele reconhece às duas instituições basicamente os mesmos direitos. É o que se pode depreender do texto constitucional. Registrar ou não o casamento, deve ser, como é, uma opção de cada um.
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.


“Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8:36).

[1] O Concílio de Trento, realizado de 1545 a 1563, foi o 19º concílio ecuménico, convocado pelo Papa Paulo III para assegurar a unidade de fé e a disciplina eclesiástica. A sua convocação surge no contexto da reacção da Igreja Católica à divisão que se vive na Europa do século XVI quanto à apreciação da Reforma Protestante. (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Conc%C3%ADlio_de_Trento. Acesso em: 10/01/2008).

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